Conto


O MENINO DA LAGOA

Olhar distante, o Joãozinho percorria o horizonte. A Lagoa era o seu fascínio, tão bela e formosa. Sentia-se muito feliz! Naquele momento era toda sua, nada nem ninguém conseguia perturbar aqueles momentos raros de partilha. Que linda, aquela água fresca e límpida, os peixinhos cor de prata a passear ali, à sua frente, num corrupio estonteante… Como era bom olhá-los, correr atrás de si, desafiá-los. Os pintassilgos e outras avezinhas voam à volta… Respirou fundo…
João sentia respeito pela imensidão de água cuja correnteza, no inverno, tudo arrastava à frente. Era nesse altura que surgiam aquelas plantas lindas, luxuriantes, delícia do seu olhar de criança. Paisagem linda, ó Deus!
Conseguia ali sentir o sabor da maresia, desse mar que se espraiava ao longe, onde o sol se escondia ao fim da tarde. Sim, o mar que se expandia para além do outro lado da sua Lagoa… E resmungava… e lamentava-se por não poder entrar na Lagoa, percorrê-la a à tona e ir pedir ao mar satisfações porque estar ali tão perto a olhá-los no recato deste namoro lindo. Ele o poderoso, o senhor do universo, querendo usurpar aquilo que era seu, a bela, a excelsa Lagoa dos seus encantos, a linda Lagoa de Óbidos! - O que fazer? - perguntava o menino de si para si.
Naquele dia meio oculto pelo nevoeiro sentia um nervosismo, uma energia nada normal. Ali, sozinho, olhava em todas as direções e… nada. Parecia mentira a Lagoa era sua, apenas sua! Que sensação linda!
De repente… um ruido! Olhou atento em todas as direções… Não!… Absolutamente nada! Sossegou… A Lagoa era sua, apenas sua!
Um silêncio sepulcral reinava naquele entardecer… Era esse aconchego que ele amava, a magia das águas nesse bailado lindo que não findava nunca… E olhava, mergulhado em pensamentos ocultos, num tempo sem tempo, onde o mundo girava ao redor de si como se fora ele o criador da nostalgia do seu Outono. Sim, era passado o tempo estival em que uma multidão sem fim vinha deliciar-se nas margens da sua Lagoa e lhe roubavam o fascínio de momentos como estes. - Que desassossego, ó Deus! Vão-se, vão-se depressa… E o tempo de balbúrdia e confusão era já passado. Amiúde, a mãe dizia-lhe que era bom os visitantes passarem férias na Vila, traziam movimento e bem-estar económico aos habitantes. Mas isso não o convencia, não estava de acordo. Como se sentiria a sua Lagoa? Perguntassem à Lagoa se era isso que ela queria! A mãe que dissesse o que lhe apetecesse mas ele é que não ia nessa… A Lagoa era sua!

Levou a mão á cabecita, retirou o bonezito azul e questionou-se: - Bem, talvez a minha mãe tenha razão…
Este ano conheci a Rosita, essa menina linda que veio aqui passar férias… Que pena, foi embora, acabou as férias e regressou a casa… Como gostei dela! Brincamos, rimo-nos, divertimo-nos… Sinto a sua falta… sinto mesmo! Mas, tu Lagoa, és de novo a minha companhia, não quero que ninguém perturbe, que venha perturbar o nosso silêncio…
Novamente o ruido! O menino, impaciente virou-se num rodopio… Era o Boby, o seu Boby, um vira-lata que anda por aí perdido pela praia em busca de alimento… e sobretudo de carinho, gosta de conviver com as pessoas que vai encontrando e com as quais mata o tempo que não passa…Muito meigo e inteligente… Todos gostam dele aqui na Lagoa… - Boby, boby, chama Joãozito com os seus olhitos verdes arregalados e brilhando de tanta felicidade!
Hoje a Lagoa está esverdeada, o nevoeiro faz a Lagoa perder o brilho azul celeste que combina com o céu… Há dias em que o céu está carregado de carneirinhos que passeiam e se metamorfoseiam constantemente. E lá vou eu e o Boby a correr atrás das sombras refletidas na relva tentando apanhá-las! – Apanhei-o, apanhei-o, Boby!
Boby abana o rabo de contente e com ternura lambe-me o rosto… E ali ficam perdidos no tempo rejubilando de alegria. As vezes as sombras assemelham-se a flamingos… Flamingos? Magia! … Esta Lagoa é mágica… pois então, é minha!
Os olhitos do menino brilham quais duas estrelinhas resplandecentes…
- Joãoziiiinhooo! – grita a mãe – vem para casa, começa a ficar noite, o sol já começa a desaparecer…
- Quem ousa perturbar o meu silêncio, resmunga o inocente…
Joãozito lança um olhar para a Lagoa e canta:

Lagoa do meu olhar
O sol em ti se deitou
Sinto ter que te deixar
Neste dia que findou

Agora vou descansar
O dia chegou ao fim
Hei-de dormir e sonhar
Sentir-te perto de mim

Não fiques triste Lagoa
Sabes qua esta vida é assim
És minha amiga, perdoa
O dia chegou não fim

Cabisbaixo, o menino despede-se da Lagoa e do cãozito Boby e regressa ao lar. Uma vez mais, um olhar sobre o lago verde dos seus encantos… Custa-lhe saber que fique sozinha em mais uma extensa e escura noite.
A longe, um olhar sobre o imenso mar a quem murmura baixinho:
— Mar, doce mar, toma conta da minha Lagoa, enquanto eu estiver a dormir, ela é tão linda, não a deixes ficar sozinha… Mar, fica com ela, por favor!…
O mar no seu ondular, galga o areal e lança no ar esta linda canção:

Donzela, Lagoa amada
Minha bela criatura
És a eterna namorada 
Que me enche de doçura

E é tanta a formusura
Dessa água perenal
Sempre límpida, tão pura
Para mim especial

E quando a noite descer
As estrelas vão brilhar
E as tuas águas trazer
Um sorriso de encantar

Quer contigo ficar
Eternamente, Lagoa,      
Havemos de conquistar
O tempo que em vão nos voa

Joãozito olhou e sorriu, sabia que o mar iria proteger a sua Lagoa enquanto ele estivesse ausente.
Boby ficou latindo, como querendo dizer às águas: - Não temas, estou aqui juntinho a ti! Chega a casa. Lança a mão na maçaneta da porta, olha o céu… As primeiras estrelas surgem tímidas no firmamento… - Que lindo – exclamou - hoje vai ser noite de lua cheia….
Deixa-se mergulhar num longo suspiro… Acena e com os olhitos rasos de lágrimas, fala à Lua: - Lua: - Psiu… estás a ouvir? Olha, faz-me um favor, protege a minha Lagoa, não deixes que se sinta sozinha….
A Lua lança-lhe o seu sorriso aberto, um longo raio de luz tomba sobre a Lagoa que fica assim prateada e bela… - Maravilha! Isso mesmo - disse o menino - obrigada Lua, minha amiga:

Entra no teu lar, menino,
A mãe não pode esperar
Ouve, já tocou o sino,
‘Stá na hora de jantar!

Mesmo o sol já se deitou
E há estrelas a acenar
O jantar já esfriou
Chega a hora de nanar

Deixa em paz tua Lagoa.
Nada vai acontecer
Vai descansar que a patroa
Ainda vai se entristecer

Há que entrar e descansar!
Não te perturbes, petiz,
O soninho vai chegar
Vai descansar, sê feliz

Um ligeiro sopro de frio começava a sentir-se. É a noite que chega. O sol esconde-se, um rasto de raios doirados, avermelhados, vão adormecendo no horizonte, naquele mar sem fim.
As estrelas vão surgindo. Refletem-se na Lagoa um brilho intenso, colares de esmeraldas, pedras preciosas…
Joãozinho, maravilhado olha aquelas águas límpidas e sente a Lagoa que se espreguiça caída de sono.
Magia, só ele e mais ninguém conseguia assistir a um milagre assim… -Ai, se a Rosita… … … Não, é melhor não pensar… Mas ela, como eu,  amava a Lagoa, a nossa Lagoa…
Abriu a porta, entrou e viu resplandecer o olhar terno de sua mãe que, fingindo-se aborrecida, lhe disse:
- É tarde, amor, faz-se tarde, vai-te lavar, o jantar esfria!
- Está bem, mãe, desculpa, sim?
- Ai, estas mães que não entendem nada de Lagos, de Rositas – reclama -  Ufa, vá-se lá entender os adultos!
- Joãozinho! -chama a mãe - vem:
Joãozinho, na janela, ainda à espreita, de esguelha, vê ao longe a Lagoa, acenando, dizendo-lhe adeus… E os raios da lua resplandecentes sobre si!

Minha Lagoa encantada,
Este medo me assola
Queria não fosse nada
Que viesse na sacola

Estás linda, prateada
Teu fascínio me domina
Tens um segredo guardado
No teu olhar de menina

No meio do universo
És parte do meu viver
Tenho no teu seio o verso
Que um dia eu hei-de escrever

Vejo nesse terno olhar
Quando chega o anoitecer
Teu sorriso a me acenar
E meu sorriso a nascer

O sono chegou. Joãozinho apaga a luz e adormece.
Amanhã um novo dia surgirá, brilhante com o sol para aquecer a pura água azul da sua Lagoa, fascínio dos seus olhos, paixão de olhares sem conta de quem cada dia a visita. Um sorriso no rosto brilhará perene no seu olhar simples de criança!


Rosa Maria Santos


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